Embora a Bíblia veja o homem como uma totalidade, ela também reconhece que o ser humano possui dois lados: o físico e o não-físico. Ele possui um corpo físico, mas ele também é uma personalidade. Ele tem uma mente com a qual ele pensa, mas também um cérebro que é parte do seu corpo, e sem o qual ele não pode pensar. Quando as coisas andam errada com ele, é necessária uma cirurgia, mas outras vezes ele pode precisar de um aconselhamento. O homem é uma pessoa que pode, contudo, ser vista de dois ângulos.
Como, então, haveremos de expressar esses “dois lados” do homem? Já observamos as dificuldades relacionadas com o termo dicotomia. Alguns tem falado de um dualismo, [56] enquanto outros preferem o termo dualidade, fazendo maior justiça à unidade do homem. Berkouwer, por exemplo, explica que “a dualidade e o dualismo não são idênticos de forma alguma, e... uma referência ao momento dual na realidade cósmica não implica necessariamente em dualismo.” [57] Semelhantemente, Anderson diz que “devemos fazer uma distinção entre uma ‘dualidade’ do ser no qual uma modalidade de diferenciação é constituída como uma unidade fundamental, e um ‘dualismo’ que opera contra essa unidade”. [58]
Minha preferência, contudo, é falar do homem como uma unidade psico-somática. A vantagem desta expressão é que ela faz plena justiça aos dois aspectos do homem, ao mesmo tempo em que enfatiza a sua unidade. [59]
Podemos ilustrar isto olhando para o relacionamento entre a mente e o cérebro. Reconhecendo que o homem deveria ser tido como uma unidade com muitos aspectos que constituem um todo indivisível, Donald M. MacKay faz três comentários significativos a respeito da relação entre mente e cérebro:
Nós não precisamos retratar a ‘mente’ e o ‘cérebro’ como duas espécies ‘substâncias” que se interagem. Não precisamos pensar dos eventos mentais e dos eventos cerebrais como dois conjuntos distintos de eventos...Parece-me suficientemente melhor descrever os eventos mentais e seus eventos cerebrais correlatos como os aspectos “interiores” e “exteriores” de uma e da mesma seqüência de eventos, que em sua plena natureza são mais ricos — tem mais para eles — do que pode ser expresso tanto numa categoria mental como física, isoladamente. [60]
Nós os estamos considerando [minha experiência consciente e as obras do meu cérebro] como dois aspectos igualmente reais de uma e da mesma unidade misteriosa. O observador externo vê um aspecto, como um padrão físico da atividade cerebral. O próprio agente conhece um outro aspecto como sua experiência consciente... O que estamos dizendo é que estes aspectos são complementares. [61]
O homem, então, existe num estado de unidade psico-somática. Assim, fomos criados, assim somos agora, e assim seremos após a ressurreição do corpo. Porque a redenção plena inclui a redenção do corpo (Rm 8.23; 1 Co 15.12-57), visto que o homem não é completo sem o corpo. O futuro glorioso dos seres humanos em Cristo inclui ambos, a ressurreição do corpo e uma nova terra purificada e aperfeiçoada. [62]
Notas:
[56] John Cooper, “Dualism and the Biblical View of Human Beings”, Reformed Journal 32, no. 9 e 10 (Setembro e Outubro de 1982).
[57] Man, 211.
[58] On Being Human, 209. Ver também Robert H. Gundry, Soma in Biblical theology (Cambridge: Cambridge University Press, 1976), 83. Gundry prefere “dualidade” ao invés de “dualismo” como sendo ensinado em ambos os Testamentos, particularmente nos escritos de Paulo.
[59] Este termo também é usado por John Murray, “Thrichotomy”, em sua obra Collected Writings of John Murray, vol. 2 (Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1977), 33 (“o homem é um ‘ser psico-somático”); e por G. W. Bromiley, “Anthropology”, ISBE, 1:134 (“o homem tem um lado físico e um lado espiritual...ambos pertencem conjuntamente a uma unidade psico-somática”); ver também Henry Stob, Ethical Reflections (Grand Rapids: Eerdmans, 1978), 226.
[60] Donald M. MacKay, Brains, Machines and Persons (Grand Rapids: Eerdmans, 1980), 14.
[61] Ibid., 83. Mais nesse livro (p. 101) MacKay descreve a vida futura do cristão dum modo no qual ele parece deixar lugar somente para a ressurreição do corpo e não para uma existência continuada do crente no estado intermediária (ver abaixo, p. 218-22). Se esta é a posição de MacKay, eu não concordaria com ele. Podemos ainda, contudo, aceitar as afirmações feitas nas citações acima como descrições corretas da unidade da mente com o cérebro durante esta presente vida.
[62] Ver esse assunto no meu livro A Bíblia e o Futuro, capítulos 17 e 20.
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HOEKEMA, Anthony. Criados à imagem de Deus. Tradução de Heber Carlos Campos. 2ª Ed. Cultura Cristã: São Paulo, 2010. p. 239-240.
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