terça-feira, 15 de novembro de 2016

A PESSOA NA SUA TOTALIDADE - IMPLICAÇÕES PRÁTICAS


O entendimento do homem como uma pessoa total, como foi desenvolvido neste capítulo, tem importantes implicações práticas.

Primeira, a igreja deve estar preocupada com a pessoa total. Em sua pregação e em seu ensino a igreja deve dirigir-se não somente às mentes daqueles a quem ela serve, mas também às suas emoções e suas vontades. A pregação que meramente comunica informação intelectual a respeito de Deus ou da Bíblia está seriamente inadequada; os ouvintes devem ser despertados em seus corações e movidos a louvar a Deus. Os professores na escola dominical devem fazer mais do que simplesmente dar aos alunos uma rota de “conhecimento” versos da Bíblia ou das afirmações doutrinárias; seu ensino deve exigir uma resposta que envolva todos os aspectos da pessoa. Os programas da igreja para a juventude não deveria negligenciar o corpo; os esportes e as atividades externas deveriam ser encorajadas como um aspecto da vida cristã globalizada.

Em sua tarefa evangelista e missionária, a igreja deveria lembrar-se também que ela está tratando com pessoas completas. Embora o propósito principal de missões seja confrontar as pessoas com o evangelho, de forma que elas possam se arrepender de seus pecados e serem salvas através da fé em Cristo, todavia a igreja nunca deve se esquecer que os objetos de sua empreitada missionária têm necessidades tanto físicas quanto espirituais. Com isto em mente, o fato de que o homem é um ser unitário, deveríamos evitar expressões como “salvar a alma” quando descrevendo a tarefa do missionário, e deveríamos optar por uma abordagem holística ou abrangente em missões. Esta abordagem, que algumas vezes é conhecida como “o ministério da palavra e das ações”, direciona o missionário a estar preocupado não somente a respeito de ganhar convertidos para Cristo, mas também em melhorar as condições de vida desses convertidos e seus vizinhos, trabalhando em áreas como agricultura, dietética e saúde. O estabelecimento de escolas para a educação cristã dos nacionais e a manutenção de clínicas e hospitais tanto para o cuidado da saúde rotineira como da emergencial, entretanto, não deve ser considerado como estranho à província da atividade missionária da igreja, mas como um aspecto essencial dela. Arthur F. Glasser, ex-deão da Escola de Missões Mundiais do Seminário Teológico Fuller (California), diz que na tarefa como missionários cristãos,

O desenvolvimento da fé individual e interior deve ser  acompanhado por uma obediência solidária e exterior ao mandato cultural extensamente detalhado na Santa Escritura. O mundo deve ser servido, não evitado. A justiça social deve ser promovida, e as questões de guerra, racismo, pobreza e desequilíbrio econômico devem se tornar uma preocupação ativa e participativa daqueles que professam crer em Jesus Cristo. Não é suficiente que a missão cristã seja redentora; ela também deve ser profética. [77]

A escola deveria também estar preocupada a respeito da pessoa total. Embora um dos principais propósitos da escola seja a instrução intelectual, o professor nunca deveria esquecer que o aluno que está ensinando é uma pessoa total. A escola, portanto, não deveria treinar  apenas a mente, mas deveria apelar para as emoções e vontade, visto que o ensino eficaz deve produzir no aluno tanto o amor pela matéria como um desejo de aprender mais a respeito dela. Além disso, as escolas deveriam evidenciar uma preocupação pelo corpo assim como pela mente. Os esportes de espectadores, no qual poucos jogam e muitos meramente observam, têm o seu lugar, mas muito mais importante para o corpo discente como um todo é um bom programa de educação física, com uma ênfase nos esportes de jogos internos que envolvam todos os estudantes.

O conceito da pessoa total tem também implicações para a vida de família. Os pais  crentes ficarão preocupados em ensinar a seus filhos a respeito de Deus, em treiná-los na vida cristã, e a discipliná-los em amor quando carecem disto. Mas os pais devem também estar preocupados a respeito de assuntos como uma dieta saudável e própria para o cuidado do corpo. Está sendo cada vez mais reconhecido hoje que um programa regular de exercício físico é essencial para uma boa saúde; os pais, portanto, deveriam tentar ensinar a seus filhos o cuidado do corpo, não somente por preceito mas também pelo exemplo.

Além disso, o conceito da pessoa total tem implicações para a medicina. Em reconhecimento do fato de que o homem é uma unidade psico-somática, a ciência médica desenvolveu recentemente uma abordagem chamada medicina holística. [78] A medicina holística tem sido definida como “um sistema de saúde que enfatiza a responsabilidade pessoal para a própria saúde e empenha-se por um relacionamento cooperativo entre todos os envolvidos em proporcionar cuidados de saúde.” [79] Os praticantes da saúde holística “enfatizam a necessidade da busca pela pessoa total, incluindo condição física, nutrição, maquiagem emocional, estado espiritual, valores de estilo de vida e ambiente.” [80]

Num livro fascinante intitulado Anatomy of an Illness (“Anatomia de uma Doença”) Norman Cousins faz um comentário de que um dos aspectos mais importantes na recuperação de uma doença está na “vontade de viver”: “A vontade de viver não é uma abstração teórica, mas uma realidade fisiológica com características terapêuticas.” [81] Cousins relata que centenas de médicos lhe têm dito que “nenhum remédio que eles podem dar aos pacientes foi tão potente como o estado de alma que um paciente traz para sua própria doença.” [82] Segundo Cousins, nos exercícios de graduação da Escola de Medicina da Universidade John Hopkins em 1975, o Dr. Jerome D. Frank disse aos graduandos “que qualquer tratamento de uma doença que não ministre também ao espírito humano é grosseiramente deficiente.” [83] A Conclusão é clara: A cura e a manutenção da saúde física envolve a pessoa total. Médicos, enfermeiras, pastores e pacientes devem sempre ter isto em mente. [84]

Finalmente, o conceito da pessoa total tem implicações importantes para a psicologia e para o aconselhamento. Estudos recentes de psicologia têm levado a uma nova ênfase na totalidade do homem — uma ênfase que é chamada algumas vezes de “teoria organísmica”. [85] Hall e Lindzey afirmam que a nova ênfase em psicologia sobre a pessoa total é uma reação contra o dualismo mente-corpo, a psicologia das faculdade, e o behaviorismo (comportamentalismo). Esta nova ênfase, eles dizem, tem sido grandemente aceita:
Quem há em psicologia hoje que não seja um proponente dos principais princípios da teoria organísmica que o total é algo além da soma de suas partes, que o que acontece a uma parte acontece ao todo, e que não há nenhum compartimento separado dentro do organismo? [86]

Os conselheiros devem lembrar-se também do fato de que o homem é uma pessoa total. Eles deveriam ser treinados a reconhecer os problemas que requerem a especialidade de outros além de si mesmos, e deveriam encaminhar seus aconselhandos, quando necessário, a médicos e psiquiatras. Os problemas mentais não deveriam ser tidos como totalmente distintos dos problemas físicos, porque nenhum tipo de problema está sempre separado do outro. Visto drogas anti-depressivas podem curar certos tipos de depressão, um conselheiro sábio fará uso desses meios. Pacientes que possuem problemas muito profundos, de fato, podem mais eficazmente ser curados através de esforços combinados de uma equipe terapêutica, consistindo, talvez, de um psicólogo, um assistente social, um médico e um psiquiatra. [87]

O conselheiro não deveria pensar de uma saúde mental e espiritual como coisas totalmente separadas. Visto que o homem é uma pessoa total, o espiritual e o mental são aspectos de uma totalidade, de forma que cada aspecto influencia e é influenciado pelo outro. Howard Clinebell diz o seguinte: “A saúde espiritual é um aspecto indispensável da saúde mental. Os dois podem estar separados somente numa base teórica. Nos seres humanos vivos, a saúde espiritual e mental estão inseparavelmente entrelaçadas.” [88]

Algumas vezes o conselheiro pastoral pode pensar que a mera citação dos versos da Bíblia pode ser tudo o de que necessita para ajudar o membro da igreja a resolver um difícil problema espiritual. Mas um entendimento do homem como uma pessoa total conduz-nos a perceber que tal abordagem pode ser totalmente inadequada. David G. Benner, num artigo no qual ele desafia a opinião comum de que a personalidade humana pode ser dividida em duas partes, uma “parte” espiritual e uma psicológica, ilustra seu ponto da seguinte maneira:
A tentação, portanto, de rotular a dificuldade de uma pessoa em aceitar o perdão de Deus de seus pecados como um problema espiritual deve ser resistido a fim de deixar o conselheiro muitíssimo aberto para tratar com ambos os aspectos, psicológico e espiritual, daquele problema. Assumir natureza espiritual essencial e proceder por meio de uma apresentação explícita de certas verdades bíblicas é esquecer que o perdão, esteja ele sendo dado ou recebido, é mediado por processos psico-espirituais da personalidade e, portanto, esses outros fatores psicológicos podem também estar envolvidos e outras técnicas sejam apropriadas. [89]
O conselheiro cristão, portanto, deveria ver os problemas de seus aconselhandos como problemas da pessoa total. Ele deveria não somente tratar com o aconselhando como uma pessoa total, mas deveria também tentar restaurá-lo à sua totalidade, que é a marca de uma vida saudável e piedosa. [90]


Notas:

[74] Ver a discussão de Berkouwer sobre este assunto em Man, 255-257.
[75] De Wederkomst van Christus, vol. 1 (Kampen: Kok, 1961), 79. Sobre o estado intermediário, ver adicionalmente Berkouwer, The Return of Christ, (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), 32-64; e A Bíblia e o Futuro, 92-108 (texto inglês)
[76] Sobre esses versos ver W. Hendriksen, I and II Tessalonians, no Comentário do Novo Testamento (Grand Rapids: Baker, 1955); Leon Morris, The First and Second Epistles to the Thessalonians, in the New International Commentary on the New Testament Series (Grand Rapids: Eerdmans, 1959).
[77] “Missiology”, no Evangelical Dictionary of Theology, editado por Walter ª Elwell (Grand Rapids: Baker, 1984), 726. Ver também William Dyrness, Let the Earth Rejoice: A Biblical Theology of Holistic Mission (Westchester, IL: Crossway Books, 1983); Francis M. Dubose, God who Sends: a Fresh Quest for Biblical Mission (Nashville: Broadman Press, 1983); e J. H. Boer, Missions: Heralds of Capitalism ou Christ? (Ibadan, Nigeria: Day Star Press, 1984).
[78] The American Holistic Medical Association foi fundada em Maio de 1978.
[79] “Holistic Medicine”, Encyclopedia Americana, vol. 14 (Danbury, CT: Grolier, 1983), 294.
[80] Ibid.
[81] New York: Norton, 1979, 44.
[82] Ibid., 139.
[83] Ibid., 133.
[84] Entre a literatura volumosa sobre a medicina holística, os seguintes estudos podem ser observados: David Allen, Whole Person  Medicine (Downers Grove: InterVarsity Press, 1980); Ed Gaedwag, Inner Balance: The Power of Holistic Healing (Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1979); Jack La Patra, Healing: The Coming Revolution in Holistic Medicine (New York: McGraw, 1978); Morton Walker, Total Health: The Holistic Alternative to Traditional Medicine (New York: Everest House, 1979).
[85] Ver “Organismic Theory” na obra de Calvin S. Hall e Gadner Lindzey, Theories of Personality, (New York: John Wiley, 1970), 298-337. Observe a bibliografia no final do capítulo.
[86] Ibid., 330
[87] Karl Menninger The Vital Balance (New York: Viking Press, 1963), 335.
[88] Mental Health Through Christian Community (Nashville: Abingdon, 1965), 20.
[89] “What God Hath Joined: The Psychospiritual Unity of Personality”, The Bulletin: Christian Association for Psychological Studies 5, no. 2 (1979): 11.
[90] Sobre a pessoa total, veja também Salvatore R. Maddi, Personality Theories (Homewood, IL: Dorsey Press, 1980).


_________________________________________________________________________


HOEKEMA, Anthony. Criados à imagem de Deus. Tradução de Heber Carlos Campos. 2ª Ed. Cultura Cristã: São Paulo, 2010. p. 244-248.




Nenhum comentário:

Postar um comentário