sábado, 29 de outubro de 2016

FORMA DA POESIA HEBRAICA

É fundamental compreender como a poesia hebraica funciona. Com razão se diz que nenhuma outra parte das Escrituras é mais lida do que os Salmos. Nas versões de bolso do NT, costuma-se com frequência acrescentar esse livro, e na maioria dos cultos de adoração eles ainda são cantados ou recitados regularmente. A quantidade de citações do saltério no NT demonstra a sua importância na vida da igreja primitiva. A pesar disso, os salmos não são facilmente compreendidos. Os paralelismos e os padrões métricos são muitas vezes difíceis de destrinchar, e o leitor desatento pode ler muito mais coisas nas declarações paralelas do que o contexto de fato permitiria. E, ainda por cima, muitos deles (como os salmos de lamento ou imprecatórios) parecem ser à primeira vista impróprios. Mesmo assim, os estudiosos e os pastores superinterpretam as imagens ou metáforas da poesia hebraica, dando-lhe um peso teológico maior do que o devido. É necessário compreender um pouco sobre a forma e a função dos padrões poéticos semitas a fim de obtermos sua coerência.

1. Padrões de métrica

A poesia pode ser identificada tanto pela métrica ou ritmo, quanto pelo paralelismo gramatical e linguístico. O primeiro aspecto é útil principalmente aos especialistas, mas de pouca valia aos pastores, por isso não vamos nos deter demasiado nele. Mesmo assim um conhecimento básico de métrica é importante para permitir ao leitor um pouco mais de habilidade com a poesia hebraica. Ainda não se desvendou o segredo do ritmo semita. Como Freedman observa, cada poema parece produzir diferentes marcações (1977:90-112). Os estudiosos se dividem em classificar as estruturas através da contagem das tônicas ou das sílabas. A concretização de ambos os casos depende do conhecimento de hebraico e de fonética. As unidades acentuadas dizem respeito ao lado oral da poesia e dividem um verso com base nas sílabas que o leitor hebreu enfatizava ao recitar um versículo. Por exemplo, Salmos 103.10 se divide ao longo das seguintes tônicas:
Não segundo / os nossos pecados / nos trata
Nem segundo / as nossas iniquidades / nos retribui
[a partir da tradução do autor em inglês]
As sílabas são as unidades básicas da fala e muitos, como Freedman, acreditam que elas oferecem uma base mais precisa e identificável para estruturar um poema. Por exemplo, Salmos 113 tem versos de quatorze sílabas divididos em 7.7 e, às vezes, em 8.6.

Mas nem todos os poemas são fáceis de se analisar com base em um ou outro esquema. Há de fato muita variação, e cada poema nas Escrituras deve ser estudado em seus próprios termos. O máximo que podemos dizer é que o ritmo é uma das principais marcas de identificação da poesia hebraica. Usando a versificação por tônicas, os estudiosos dividem os salmos em 2.2, 3.2, 2.3 e muitos outros padrões. A divisão silábica produz um grande número de padrões, com versos de dez, doze ou quatorze sílabas. Além disso, as estrofes ou os versículos são compostos de dois (como SI 103.10) a cinco versos de ideias paralelas. Dentro deles pode haver uma miríade de formas, à medida que o padrão métrico e o paralelismo se entrelaçam. Na verdade, muitos estudiosos acreditam que os dois sistemas podem representar fases do desenvolvimento da poesia hebraica. Embora isso permaneça especulativo e inverificável, resta o fato de que a escolha que o poeta fazia dos vocábulos dependia de certo modo de considerações métricas. Ao mesmo tempo, o som (o que inclui não só a métrica, mas a leitura oral, as aliterações, as onomatopéias etc.) foi muitas vezes determinante na escolha e no agrupamento das palavras nas estrofes do poema (Gerstenberger 1985:413-416).

Em resumo, o desafio do intérprete é não atribuir mais significado aos termos individuais do que ao salmo como um todo. Os estudos sobre as palavras não são tão determinantes em Salmos como os são nas epístolas do NT, e o significado é derivado mais do todo do que das partes. Por todas essas razões, precisamos focalizar nossa atenção mais no paralelismo do que na métrica.

2. Paralelismo

Em 1750, o bispo Robert Lowth desenvolveu a proposta, geralmente aceita hoje em dia, dos três tipos básicos de paralelismo: sinonímico, sintético e antitético. Alguns ainda a seguem (como Gerstenberger, Murphy, Gray). Porém, um número cada vez maior de estudiosos (como Kugel, Alter, Longman) tem contestado essa teoria, argumentando que ela virtualmente reduz a poesia à prosa, “achatando o verso poético” (Longman). Eles afirmam que o segundo verso sempre acrescenta um significado, de alguma maneira esclarecendo o primeiro. Essa abordagem não apenas vem ganhando terreno nos últimos tempos, mas também tem se tornado certo consenso entre os atuais estudiosos (ver a pesquisa em Howard 1999:344-350). De fato, poderíamos dizer que tal abordagem tem conseguido “uma vitória arrasadora” . Como em muitas outras áreas, não existem apenas dois tipos: o sinonímico (em que os termos significam a mesma ideia) e o sintético (em que o segundo acrescenta uma ideia nova), mas muitas gradações entre ambos. Algumas passagens exibem significados bastante semelhantes, mas, em outras, o segundo verso apresenta uma nuance quase imperceptível e, em outras, ainda uma grande parcela de significado é acrescentada ao primeiro. Os diversos estudos que apontam para pares de palavras (um repertório fixo de sinônimos que era regularmente usado) contrariam em parte a visão de que o paralelismo sempre se dá entre os versos (para uma boa pesquisa, cf. LaSor, Hubbard, Bush 1982:314-315). Pares como terra/pó, inimigo/adversário, Jacó/Israel, voz/discurso, povo/nação e combinações semelhantes apontam por vezes para um paralelismo sinonímico. No entanto, mesmo aqui algum significado é acrescentado, à medida que o paralelismo e os pares de palavras adicionam ênfase à ideia. O contexto, como sempre, deve decidir cada caso.

1. O paralelismo sinonímico acontece quando o segundo verso repete o primeiro com acréscimo de pouco ou nenhum significado. Muitas vezes isso inclui paralelos gramaticais, quando o segundo verso se equipara gramaticalmente ao primeiro (como uma frase preposicional, sujeito, verbo, objeto) e, assim, também se equipara em significado. Em alguns casos, o estudioso não deveria interpretar demais a variação semântica entre dois versos, pois isso poderia sugerir mais uma mudança de estilo cuja finalidade é causar efeito. Por outro lado, com frequência alguma coisa é acrescentada. o que levou Robert Alter, Adele Berlin e outros a desafiar a abordagem tradicional. Por exemplo, muitos indicam Salmos 2.2-4 como um exemplo de sinonímia. Vamos considerar um par de cada vez. Salmos 2.2:
Os reis da terra se levantam,
e os príncipes conspiram unidos.
Embora os sujeitos (reis da terra/príncipes) possam ser sinônimos, existe um desenvolvimento entre “se levantam” e “conspiram”, pois o segundo implica o acordo que se segue ao ato de “se levantar”. O mesmo é válido para o versículo 3:
“Rompamos suas correntes", eles dizem,
“e livremo-nos de suas algemas”.
Certamente correntes e algemas significam a mesma coisa, mas existe uma progressão entre “rom per” e “livrar”. E improvável que essas sejam diferenças apenas estilísticas. Por outro lado, consideremos Isaías 53.5: 
Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões
e esmagado por causa das nossas maldades;
o castigo que nos traz a paz estava sobre ele,
e por suas feridas fomos sarados.
Os primeiros dois versos muito provavelmente exibem algum tipo de paralelismo sinonímico, pois o paralelo entre as palavras ferido/esmagado e transgressões/maldades não mostra uma variação importante de significado. Os defensores da abordagem sintética argumentam que o segundo verso reforça o primeiro e, desse modo, ele não seria puramente sinonímico. Mesmo assim, como não é acrescentada nenhuma nova ideia, os versos poderiam ser classificados como “paralelismo sinonímico”. Os dois últimos versos são com clareza sintéticos. O verso três fala dos meios e o verso quatro, do resultado. Mais difícil é verificar a ideia paralela em Salmos 103.3:
Ele é quem perdoa todas as tuas iniquidades;
quem sara todas as tuas enfermidades.
Alguns interpretam o segundo verso como cura física. Certamente a Bíblia apresenta uma relação entre a cura espiritual e a física: as duas, não raro, são combinadas nos milagres de cura operados por Jesus (como Lc 5.20). No entanto, devemos ter cuidado para não superinterpretar o paralelismo poético nesse sentido. Embora isso seja algo possível, em Salmos 103 é discutível. Os dois pares de palavras — perdoa/sara e iniquidades/enfermidades — são muitas vezes sinônimos nas Escrituras. Contudo, nesse contexto, eu argumentaria que não devem os acrescentar a cura física à espiritual. O paralelismo pode ser muito forte, se o verbo, por conseguinte, se referir à cura espiritual. Apesar disso, a última tendência é considerar o segundo verso como uma referência à cura física. Para concluir, os estudiosos estão certos de que não existe um paralelismo sinonímico verdadeiro conforme antes se pensava, há alguns exemplos (e eles são raros) quando o segundo verso repete o significado do primeiro, e o único dado acrescentado é a ênfase.

2. O paralelismo progressivo também é chamado “paralelismo sintético” e se refere a um desenvolvimento do pensamento no qual o segundo verso acrescenta ideias ao primeiro. Alguns têm duvidado da validade dessa categoria porque o sentido adicional destrói o paralelismo. Porém, trata-se da forma dominante que deve ser aceita, pois ela tem sido virtualmente a definição do paralelismo hebraico. Um famoso exemplo é Salmos 1.3:
Ele será como árvore plantada junto às correntes de águas,
que dá o seu fruto no tempo certo
e cuja folhagem não murcha.
Tudo que ele fazer prosperará.
Há três “passos” aqui: plantar (v. 1) para dar fruto (v. 2), para não murchar (v. 3), para uma colheita bem-sucedida (v. 4, que abandona a metáfora). Muitas vezes o desenvolvimento é de tal modo completo que muitos acreditam não haver qualquer paralelismo. Por exemplo, Jeremias 50.19 diz:
Trarei Israel para a sua m orada;
ele pastará no Carm elo e cm Basã
e se fartará
nas colinas de Efraim e em Gileade
Há certo desenvolvimento nos dois primeiros versos (alguns poderiam chamar isso de sinonímico, mas a reflexão move-se do retomo para a morada que está a espera de Israel). O segundo par pode repetir a ideia dos dois versos, com o paralelismo desenvolvido mais em função da métrica do que do significado. Porém, ali o movimento vai do ato de pastar para os resultados (apetites satisfeitos). Mas considerem os também Salmos 139.4:
Antes mesmo que a palavra me chegue à língua,
tu. Senhor, já a conheces toda.
Aqui não há qualquer paralelismo, pois o segundo verso completa a ideia do primeiro.

Em suma, o leitor deve deixar sempre que os próprios versos digam em que base eles se situam na escala do sinonímico para o sintético ou para o não paralelismo (métrico). Devo admitir que meus próprios estudos me convenceram de que Berlin e Longman estão corretos, principalmente quando dizem que a tendência na poesia hebraica é acrescentar outras nuances no segundo verso. Quase todos os exemplos chamados de “sinonímicos” com os quais me deparei em meus estudos (como Sl 19.1; 103.7, 11-13) exibiam algum grau de desenvolvimento sintético. Alter resume essa escola de pensamento quando afirma que “um argumento pelo movimento dinâmico de um versículo ao seguinte estaria muito mais próximo da verdade, muito mais próximo do modo como os poetas bíblicos esperavam que o público prestasse atenção às suas palavras” (1985:10). Mas, embora isso esteja de fato “mais próximo da verdade”, pode ser também que a nova escola seja culpada por um excesso: ao afirmar que existe “sempre” o movimento.

Vamos considerar Provérbios 3.13-20, outro texto em geral usado como exemplo de paralelismo sinonímico. Quase todos os pares exemplificam de fato o paralelismo progressivo, como no versículo 16:
O alongar-se da vida está na sua mão direita,
na sua esquerda, riquezas e honra.
No versículo 17:
Os seus caminhos são caminhos deliciosos,
e todas as suas veredas, paz.
Enquanto o versículo 14 é virtualmente sinonímico:
porque melhor é o lucro que ela dá do que o da prata,
e melhor a sua renda do que o ouro mais fino.
É possível argumentar que o segundo verso toma o primeiro mais vívido (o mesmo poderia ser dito de Is 53.5), mas isso pouco diferencia o significado. Em resumo, eu concluiria que em alguns exemplos (como Is 53.5; Pv 3.14) não existe qualquer esclarecimento adicional e, portanto, eles se ajustariam ao significado normal de “paralelismo sinonímico”. Embora alguma nuance (vivacidade ou concretude) possa ser acrescentada, ainda há sinonímia. Quando existe um acréscimo de significado, a extensão do desenvolvimento sintético (ou formal) se diferirá de caso para caso, sendo preciso um estudo exegético para se chegar a uma decisão.

3. O paralelismo culminante é um tipo de paralelismo progressivo, mas nesse caso várias unidades levam o pensamento a um clímax. Por exemplo, consideremos Salmos 8.3-4 (os vv. 4-5 são citados em Hb 2.6-8):
Quando contemplo os teus céus,
obra dos teus dedos,
e a lua e as estrelas
que estabeleceste,
que é o homem, para que te lembres dele?
E o filho do homem, para que o visites?
Os primeiros quatro versos se constroem num sentido progressivo para o desenlace culminante nos versos paralelos do versículo 4. Otto Kaiser fala de um tipo particular de paralelismo culminante no qual o segundo verso repete a palavra-chave do primeiro e, então, acrescenta o pensamento culminante (1975:322). Por exemplo, Salmos 29.1-2:
Dai ao Senhor , ó filhos dos poderosos,
dai ao Senhor glória e força.
Dai ao Senhor a glória devida ao seu nome;
adorai o Senhor na beleza da sua santidade.

4. O paralelismo antitético inverte a ênfase dos outros paralelismos e é o terceiro dos tipos importantes (os outros dois são, como vimos, o sinonímico e o sintético). Em vez de haver um desenvolvimento de uma ideia no segundo verso, observa-se a ocorrência de um contraste com o primeiro verso. Apesar disso, ele ainda constitui um paralelismo, pois o segundo verso retoma o primeiro afirmando o oposto. Por exemplo, Provérbios 3.1 diz:
Filho meu. não te esqueças da minha instrução,
e guarde os meus mandamentos no teu coração;
Ambas as unidades declaram a mesma ideia, mas de modos opostos. Porém, em outros casos, a antítese tem elementos de paralelismo sintético, no qual o segundo traz um esclarecimento adicional, por exemplo, Salmos 20.7 diz:

Uns confiam em carros, outros, em cavalos;
nós, porém, nos gloriaremos em o nome do Senhor , nosso Deus.

O primeiro verso fala do que não confiar e o segundo do que confiar. Ver também Provérbios 1.7:
O temor do Senhor é o princípio do conhecimento.
Os insensatos desprezam a sabedoria e a instrução.
O sábio e o insensato formam a principal oposição no livro, mas há um claro desenvolvimento de “temor do Senhor ” (verso um) para “sabedoria” (verso dois). Ele é comparável ao contraste justo versus ímpio, como em Provérbios 3.33:
A maldição do Senhor permanece sobre a casa do ímpio,
mas ele abençoa o lar dos justos.

5. O paralelismo introvertido é um tipo particular de paralelismo antitético no qual dois versos são contrastados com outros dois. Frequentemente é apresentado em forma de quiasmo, em que os pares externos são contrastados com os pares internos (AB BA), como em Salmos 30.8-10 do Texto Massorético (Mickelsen 1963:326):
Por ti, SENHOR , clamei,
ao Senhor implorei.
Que proveito obterás no meu sangue,
quando baixo à cova?
Louvar-te-á, porventura, o pó?
Declarará ele a tua verdade?
Ouve, SENHOR, e tem compaixão de mim;
sê tu, SENHOR, o meu auxílio.

6. O paralelismo incompleto acontece quando um elemento do primeiro verso é omitido no segundo, algo que regularmente acontece em versos sinonímicos, como em Salmos 24.1, em que falta o predicado:
Ao SENHOR  pertence a terra e tudo o que nela existe, 
o mundo e os que nele habitam.

7. A variante de equilíbrio acontece quando o segundo verso compensa o elemento que falta acrescentando uma ideia adicional (Kaiser 1981:220, a partir de Cyrus Gordon). Isso ocorre com mais frequência do que a forma incompleta pura, como em Salmos 18.17:
Livrou-me do forte inimigo
e dos que me aborreciam, pois eram mais poderosos do que eu.

3. Linguagem e imagem poéticas

Os salmistas usaram muitas das técnicas retóricas discutidas nos capítulos anteriores, como sinonímia, clímax e quiasmo. Além disso, eles usaram paronomásia (jogo de palavras), aliteração (os versos começam com a mesma letra do alfabeto), acrósticos (cada início de verso com uma letra sucessiva do alfabeto) e assonância (palavras que soam de forma semelhante). A paronomásia é exemplificada em Isaías 5.7: “Ele esperou justiça [mispãt] mas houve sangue derramado [mispãh] \ retidão [sédãqâh], mas houve clamor por socorro [se‘ãqâh]' \ Salmos 119 oferece um bom exemplo tanto de aliterações quanto de acrósticos. As estrofes desse magnífico hino que celebra a Palavra de Deus começam com letras sequenciais do alfabeto, e, dentro de cada estrofe, todos os versos começam com a mesma letra (sobre outros poemas acrósticos, cf. SI 25; 34; 37; 111; 112; Lm 3). A assonância é vista em Jeremias 1.11-12, em que Deus mostra a Jeremias um “ramo de amendoeira” [sãqêd] e o associa com a promessa de que ele está “vigiando” [sõqêd] o seu povo. Kaiser busca um termo equivalente: Deus mostrou a Jeremias um “ramo de salgueiro” e disse: “Pois estarei de olheiro em meu povo, caso não se arrependa” (1981:227) [adaptado do original em inglês].

O uso de imagem figurada na poesia é particularmente rico. Os poetas em geral apreendem as experiências cotidianas do povo para ilustrar as verdades espirituais que sustentam. Em Salmos 1.3-4, o autor com para o justo, que é “com o árvore plantada junto às correntes de águas, / que dá seu fruto no tempo certo”, com o ímpio, que
é “a palha / que o vento dispersa”. Tais símiles são encontrados ao longo da poesia bíblica (Jó 30.8; SI 31.12; Pv 11.12; ls 1.30).

As metáforas são ainda mais frequentes. Em uma metáfora especialmente satisfatória, Amós 4.1 se dirige às “vacas de Basã (...) que [oprimem] os pobres (...) e [dizem] ao marido: Dá cá, e bebamos” . Em Salmos 19.1,3, a criação é personificada como um arauto (“Os céus proclamam a glória de Deus, / e o firmamento anuncia as obras das suas mãos”) e como um emissário estrangeiro (“Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som” ). As metáforas para descrever Deus, é claro, são particularmente frutíferas. Deus é retratado como um rei empossado, um pastor, um guerreiro, um cocheiro, um pai, uma pedra, um poço refrescante e muito, muito mais.

Tais imagens conduzem os leitores no texto e os forçam a retratar a verdade de um modo novo. Quando se pede a Deus: “Embraça o escudo e o broquel e ergue-te em meu auxílio” (SI 35.2), a ideia de Deus como o guerreiro vitorioso que luta ao lado do seu povo acrescenta um rico significado a esse salmo que pede a ajuda de Deus contra os ex-amigos de Davi, que o caluniam. O potencial de tais imagens para a pregação é realmente grande! Cada ocorrência é um exemplo que espera para ser desvelado.

Em suma, identificar o tipo de paralelismo é uma importante ajuda para a interpretação. Isso nos ajudará a evitar uma superinterpretação dos versos sucessivos e a verificar os elementos fundamentais da passagem. Quando os padrões estruturais são combinados com a imagem empregada neles, o resultado é uma rica experiência de devoção e de pregação. No entanto, a riqueza acrescentada pelas metáforas é acompanhada de um problema: a falta de especificidade e precisão. Como diz Gerstenberger: “A linguagem poética rompe as fronteiras das visões de mundo racionalistas, chegando a essência das coisas intuitivamente. Portanto, o uso da linguagem comparativa, indutiva, indireta é imperativo para o poeta” (1985:416-417). Nesse caso, não se deve procurar o “significado literal”, mas antes o “significado pretendido”, isto é, o significado pretendido no contexto do poema. Por exemplo, Salmos 44.19 declara: “Para nos esmagares onde vivem os chacais”, o que significa uma área inabitável, desolada.

O salmo fala sobre uma esmagadora derrota militar (cf. v. 9-16) e a retoma numa seção que alega a inocência de Israel diante de Deus (v. 17-22). Embora a derrota fosse realmente séria, as metáforas como “onde vivem os chacais” e “ovelhas para o matadouro” (v. 22) constituem uma licença poética para descrever a constante inimizade de
seus vizinhos hostis e o sofrimento que Israel experimenta por causa disso.


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OSBORNE, Grant R. Espiral hermenêutica. Vida Nova: São Paulo, 2009. ps. 286-296.



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