Os estudiosos já não consideram os salmos como obras isoladas e reunidas de maneira aleatória e artificial. Ao contrário, o saltério é entendido como um todo canônico, e os estudos tendem a se concentrar ou na macroestrutura, considerando-se "padrões e temas abrangentes", ou na microestrutura, isto é, "conexões entre grupos menores de salmos". Os dois, é claro, são interdependentes (Howard 1999:332-333).
O ponto decisivo, como na maioria das categorias consideradas neste livro, veio como o início da crítica literal e retórica, bem como o início da crítica do cânon nos anos oitenta, especialmente com o The Editing of the Hebrew Psalter [A edição do saltério hebraico] (1985), de Gerald H. Wilson. Usando paralelos extrabíblicos, ele demonstra que o saltério foi cuidadosamente editado e, lançando mão de técnicas crítico-formais, mostra que há cinco "livros" de salmos. Cada livro termina com uma doxologia que marca cada coleção (Sl 41.13; 72.18-19; 89.52; 106.48; 145.21). Dessa forma podemos distinguir os seguintes livros (cf. Limburg 1992: 526-527; Waltke 1997: 1109-1111):
- Introdução (Sl 1-2). Alguns consideram os dois como um único salmo emoldurado pelas bem-aventuranças dos versículos 1.1 e 2.11. O primeiro convida o justo a meditar sobre os salmos, e o segundo concentra-se no rei ungido no Monte Sião.
- Livro 1 (Sl 3-4). Os salmos aqui concentram em Davi e em petições por proteção divina contra os inimigos. A maioria dos salmos é atribuída a Davi.
- Livro 2 (Sl 42-72). Há uma boa possibilidade de que os dois primeiros livros fossem originalmente um só, sendo que sessenta dos setenta salmos versam sobre Davi. Salmos 42-49 são atribuídos aos "filhos de Coré", provavelmente uma família encarregada da música do templo, enquanto Salmos 51-65; 68-70 seriam davídicos.
- Livro 3 (Sl 73-89). Esses são principalmente atribuídos a Asafe (Sl 73-83) e foram uma série de lamentos que se concentram no rompimento da aliança e no triste estado da nação.
- Livro 4 (Sl 90-106). Uma nova esperança é apresentada quando Javé é rei (Sl 93; 95-99) e realiza seus poderosos atos em favor de seu povo. Moisés desempenha um papel central (é mencionado sete vezes), a fim de mostrar que o mesmo Deus, que salvou Israel antes, pode fazê-lo agora. Ainda que a monarquia tenha acabado, Javé pode salvá-los.
- Livro 5 (Sl 107-145). Deus realmente livrou os israelitas de suas dificuldades (talvez do exílio) e está na hora de se voltar ao modelo de Davi (Sl 108-110; 138-145). Salmos 120-143 sõ "cânticos" de ascensão que se concentram na peregrinação para Jerusalém com a finalidade da adoração.
- Conclusão (Sl 146-150).
A tradição judaica acreditava que a coletânea era uma reflexão deliberada sobre os cinco livros do Pentateuco. Outros cham que os livros podem ser considerados como uma história temática de Israel, na qual: o Livro 1 = o conflito de Davi com Saul; o Livro 2 = a realeza de Davi; o Livro 3 = a crise assíria; o Livro 4 = a destruição do templo e o exílio; e o Livro 5 = louvor e reflexão sobre o retorno do exílio (Hill e Walton 2000: 346, baseado em Wilson). O que é interessante e viável (se ajustando aos temas de cada seção), mas, no fim, não pode ser provado.
Outro assunto importante são os títulos e sobrescritos em muitos dos salmos (116 dos 150). São eles confiáveis e, portanto, podemos tomá-los como dados históricos confiáveis? Eles foram acrescentados após a escrita dos salmos e boa parte do material consiste em comentários musicais técnicos, podendo ser uma referência, a melodias específicas (por exemplo "de acordo com o gittith" [Sl 8; 81; 84], ou "de acordo com o sheminith" [Sl 6;12]). Alguns parecem indicar o autor da composição (por exemplo, filhos de Coré, Davi, Asafe). Outros associam os salmos com os diversos eventos da vida de Davi. A crítica considera que se trata de adições recentes, cujos dados históricos provêm de alguém que buscava uma posição adequada para muitos dos salmos (Limburg 1992: 528). No entanto é necessário se perguntar por que muitos dos salmos de Davi não possuem os sobrescritos históricos, se estes foram acrescentados bem mais tarde. Além disso, muitos salmos nos livros históricos têm esse tipo de sobrescritos (Êx. 15.1; Dt 31.30; Jz 5.1; 2Sm 22.1; Is 38.9; Jo 2), que são normalmente aceitos. Por fim, sobrescritos são encontrados também nos hinos sumérios, acádios e egípcios, sendo comuns no antigo Oriente Médio (Waltke 1997:1100-1102). Além disso, as diferenças entre os sobrescritos encontrados no Texto Massorético e na LXX levaram muitos a duvidar de sua autenticidade, e a ambiguidade da partícula hebraica lê (que pode significar “de acordo com, para, referente a, relacionado com”) torna-se difícil saber se os salmos foram escritos por Davi, sobre ele ou dedicado a ele (VanGemeren 1991: 19-20). Em resumo, podemos aceitar os sobrescritos como prováveis portadores de um material confiável, mas nem sempre podemos saber o que eles significam.
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OSBORNE, Grant R. Espiral hermenêutica. Vida Nova: São Paulo, 2009. ps. 285-286.
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