Júlio é um homem matuto, cabra macho e pernambucano, e que atualmente reside em Goiânia, GO. Homem sem estudos, com semblante sofrido, com marcas do sol em sua pele. O encontrei subindo com seu carrinho de coletar reciclagens com um fogão velho de quatro bocas, um colchão de casal e mais algumas coisinhas fundamentais para sobreviver bem em uma casa de dois ou três cômodos. A subida era tão íngreme que ele dava passos curtos, afadigado e extremamente molhado de suor. Me comovi com aquela cena e tive que parar. Desci de minha bicicleta, a segurei com a mão esquerda, e sem pedir peguei com a mão direita no puxador do carrinho de Júlio, onde ele segurava forte, e empurrei com toda a minha força. Já estava cansado do meu passei ciclístico, mas naquele momento ao ver a força de Júlio, e a dedicação em subir carregando aquele imenso carrinho, tirei forças de onde nem imaginava existir, e empurrei. De ali em diante eu tive uma longa conversa com aquele “cabra”, onde ele contou toda a sua história. Foi um passeio tão bom — apesar da imensa força que estávamos fazendo — que nem vi a hora passar, e caminhamos por um considerável trajeto até chegar na sua casa.
Resumindo nossa conversa, Júlio é um homem que não teve oportunidade de ter um bom estudo, pois teve que trabalhar na roça desde pequeno. Sua vida sempre foi de um empregado, e que precisava acordar cedo e dormir tarde para ter o seu pão. Pela falta de estudo nunca teve oportunidade de crescer na vida — digo no sentido de conseguir um emprego melhor, com boa remuneração. Ele tem esposa, filhos e netos. Todos trabalhadores, com carteira assinada e homens honestos e justos. Júlio veio para Goiânia atrás de emprego, mas enquanto não consegue, trabalha como coletor de reciclagens. Não é usuário de drogas, e nunca precisou usar de meios ilícitos para sobreviver e ter o pão na sua mesa. Disse preferir “ver a família chorar do fome diante da mesa sem nada para comer, do que ver a família sorrindo com a mesa farta, mas saber que aquele alimento é fruto de desonestidade”. Logo, em meu coração, senti o desejo de pegar o dinheiro que estava no meu bolso — o dinheiro de pagar as minhas contas — e entregar a ele, mas desisti quando ele disse que algo em que se orgulha é de nunca ter de pedir nada a ninguém, pois Deus sempre lhe deu saúde, força e oportunidade para trabalhar. Ele sorria quando me via afadigado de tanto fazer força puxando aquele carrinho com ele; dizia que era para mim pensar para o lado bom: eu estava me exercitando e adquirindo saúde.
Em toda a caminhada ele só reclamou de uma única coisa: da sua dor nos dentes. Quando olhei para o seu sorriso, haviam poucos dentes, todos apodrecidos e pelas metades. Meu coração partiu! Pois eu tinha um plano odontológico, e o usei poucas vezes, enquanto ele, um homem cheio de problemas dentários não tinha condições de pagar por um. Eu perguntei o que ele fazia quando as dores chegavam, e ele me respondeu: Tomo água e choro de dor! E sorriu sem graça. Mas imediatamente mudou de assunto, temendo que eu imaginasse que ele estava pedindo algo. Então no fim do percurso ele me disse que fica muito feliz de ver pessoas boas no mundo, que se importa com os menos favorecidos, e eu respondi que eu sigo a Cristo, e Ele ensina que devemos amar as pessoas como Ele as amou; imediatamente Júlio tirou o boné, colocou a mão no peito e disse: Deus é maravilhoso! O nosso Pai, que nos ama!
Ao despedir, fixei e decorei seu endereço em minha mente, para que eu pudesse voltar lá e construir uma amizade com um homem que valha a pena. Dei meu endereço e disse que ficaria feliz se ele fosse me visitar. Ele sorriu e disse o mesmo.
Diante dessa experiência que tive hoje, refleti, e três sentimentos me vieram no coração, ambos juntos, sem conseguir fazer distinção de quais eram mais fortes. O primeiro é a alegria de conhecer um homem de verdade, humano, honesto e que tinha muita sabedoria para me ensinar, muito mais sabedoria que muitos livros que leio. O segundo foi de tristeza, pelo fato de saber que pessoas tão boas sofriam muito mais do que eu (um homem tão egoísta, falho, pecador). Terceiro, foi de rancor, por saber que eu estava impossibilitado de livrá-lo de suas necessidades financeiras, e de sua dor de dente, e enquanto isso muitos políticos desfrutam de uma gigantesca fortuna que conquistaram com o seu “muito esforço” de corrupção, assassinato e roubos. Então me veio no coração: Deus! Onde estás? Que não socorre homens como Júlio? E logo Sua voz soprou em meu coração dizendo: “vós sois o sal da terra […], e a luz do mundo” (Mateus 5.13–16). E também: “ame uns aos outros como eu vos amei, assim saberão que são meus discípulos” (João 13.34–35). Eu sou um cristão, e como cristão, preciso levar o Evangelho a esse homem, mas esse evangelho não significa apenas uma salvação espiritual, e sim, também, um socorro para suas necessidades. Podem me chamar de sensacionista, marxista, adepto da teologia da libertação, missão integral ou qualquer outra coisa… Não ligo! Minha preocupação está em Júlio, com sua dor de dente, e suas necessidades básicas para sobrevivência humana. Minha teologia é cristã, meus sentimentos precisam ser cristãos, minha fé é cristã.
Júlio me fez um pedido… Júlio é um bom zelador de fazenda, ou sítio, é um “caseiro”. Trabalhou a vida toda sendo zelador de áreas rurais. Ele precisa de um bom emprego nessa área. Pela idade que ele tem (creio ter uns 60 anos), o trabalho na roça é menos pesado para ele, pois já tem muita experiência na área — isso foi o que ele me disse.
Mas Júlio também precisa de tratar seus dentes, e se livra de suas dores… Eu não sei como fazer… Pois não tenho condições financeiras para custeá-lo. Que o Senhor direcione pessoas para me ajudar socorrer um de seus “pequeninos”, um que se chama Júlio.
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Leonan Féres, Goiânia, 07 de julho de 2017.
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