quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

COMEMORANDO O NATAL NA VISÃO REFORMADA



Por esses dias, com o clima de natal no ar, procurei estudar um pouco mais sobre o assunto. Em uma de minhas pesquisas encontre um texto que afirmava com toda a convicção de que o natal deveria ser uma data guardada por todos os cristãos, e nesse texto o autor utilizava alguns símbolos de fé reformado. Em outros textos, vi pessoas contra a ideia a ponto de taxar do texto que citei. Mas, diante tudo isso pude compreender um pouco mais sobre os dois pontos de vista, vejamos então:

Visões reformadas que defendem a guarda do natal pelos cristãos

A primeira fonte que podemos observar é a Segunda Confissão Helvética. Essa Confissão foi um importantíssimo documento escrito pelo reformador protestante suíço Johann Heinrich Bullinger, que se tornou pastor da igreja de Zurique na Suíça em 1533 e foi um importante teólogo da Reforma Protestante. O historiador presbiteriano Alderi Souza de Matos, ao fala sobre essa Confissão, diz que:
“[...] vários colegas de diferentes cidades, escreveu a Primeira Confissão Helvética (1536), que se tornou a primeira declaração da fé reformada com autoridade nacional. A Segunda Confissão Helvética mantém a mesma estrutura, mas foi inteiramente redigida por Bullinger. Foi composta inicialmente após um parecer favorável do reformador Martin Bucer (1561), sendo reescrita durante uma epidemia na qual Bullinger julgou que iria morrer (1562). Ele anexou a confissão ao seu testamento como uma dádiva final à cidade de Zurique […] Posteriormente foi recebida na Escócia, Hungria, França, Polônia, Inglaterra e Holanda, tornando-se, ao lado do Catecismo de Heidelberg, o documento reformado mais estimado e influente”.[1]
Não há dúvidas de que a Segunda Confissão Helvética é um dos documentos mais importantes e influentes da história da teologia reformada, e nesta Confissão encontramos a seguinte informação:
24. Dos dias santos, dos jejuns e da escolha dos alimentos:
O tempo necessário para o culto. Embora não esteja a religião limitada pelo tempo, contudo não pode ser cultivada ou praticada sem distribuição e arranjo próprio do tempo. Toda igreja, portanto, escolhe determinado horário para as orações públicas, a pregação do Evangelho e a celebração dos sacramentos, não sendo permitido a ninguém transtornar esse horário da igreja a seu bel prazer. Pois, a não ser que algum tempo livre seja reservado ao exercício da religião, sem dúvida os homens absorvidos pelos seus negócios, estariam afastados dela.
O Dia do Senhor. Por isso vemos que nas igrejas antigas não havia apenas certas horas da semana destinadas às reuniões, mas que também o Dia do Senhor, desde o tempo dos apóstolos, fora separado para as mesmas, e para o santo repouso, prática essa, acertadamente preservada por nossas igrejas para fins de culto e serviço de amor. 
Superstição. Neste ponto, entretanto, não cedemos às observâncias dos judeus e às superstições. Pois, não cremos que um dia seja mais santo do que outro, nem pensamos que o repouso em si mesmo seja aceitável a Deus. Além disso, guardamos o Dia do Senhor, e não o sábado como livre observância. 
As festas de Cristo e dos santos. Ademais, se na liberdade cristã, as igrejas celebram de modo religioso a lembrança do nascimento do Senhor, a circuncisão, a paixão, a ressurreição e sua ascensão ao céu, bem como o envio do Espírito Santo sobre os discípulos, damos-lhes plena aprovação. Não aprovamos, contudo, as festas instituídas em honra de homens ou dos santos. Os dias santificados têm a ver com a primeira Tábua da Lei e só a Deus pertencem. Finalmente, os dias santificados, instituídos em honra dos santos, os quais abolimos, têm muito de absurdo e inútil, e não devem ser tolerados. Entretanto, confessamos que a lembrança dos santos, em hora e lugar apropriados, pode ser recomendada de modo aproveitável ao povo em sermões, e os seus santos exemplos, apresentados como dignos de serem imitados por todos.[2]
Está claro nesse documento, considerado um dos mais importantes da história da fé reformada, que a tradição reformada desde o princípio defendeu que os cristãos têm liberdade para comemorar o natal, ademais, se na liberdade cristã, as igrejas celebram de modo religioso a lembrança do nascimento do Senhor, é dada plena aprovação. O renomado historiador Phillip Schaeff escreveu sobre como o próprio Bullinger vivia essa liberdade com sua família: 
“A casa de Bullinger era um lar cristão feliz. Ele gostava de brincar com seus numerosos filhos e netos e de escrever pequenos versos para eles no Natal, como Lutero”.[3]

Depois da Segunda Confissão Helvética, vemos também a mesma liberdade no Sínodo de Dort, que deu origem aos famosos cinco pontos do calvinismo – popularmente conhecidos com TULIP. Além de refutar o arminianismo nos “Cânones de Dort”, o Sínodo também aprovou a “Ordem de Dort”. Neste documento, emitido pelo mesmo Sínodo que nos deu a TULIP, encontramos no artigo 67 ordens para que as igrejas da Holanda comemorassem o Natal, a Páscoa e o Pentecostes, vejamos:
“Além do Domingo, as congregações também observarão o Natal, a Páscoa e o Pentecostes”.[4]
No artigo 63, também encontramos referências às três festas: 
“A Ceia do Senhor será observada uma vez a cada dois meses, na medida do possível. Também é edificante, onde quer que as circunstâncias das igrejas permitam, que o mesmo aconteça na Páscoa, no Pentecostes e no Natal”.[5]

Visões reformadas que se opõem à guarda do natal pelos cristãos

Alguns teólogos que são contra a guarda do natal pelos cristãos, concordam que alguns ramos reformados não condenaram a observância de todos os dias santos instituídos pela Igreja Católica, e que essa posição aberta com relação à aplicação do princípio regulador ao calendário eclesiástico ocorreu especialmente nos Países Baixos, sendo registrada em dois símbolos de fé originários desta região (a Segunda Confissão Helvética e os Cânones de Dort), e embora elas não prescrevam, admitem a observância de vários dias do calendário cristão, incluindo os dias de nascimento, circuncisão, paixão, ressurreição e ascensão do Senhor e o dia de pentecostes, com base na ‘liberdade cristã. Mas utilizam Beza, uma das maiores figuras da Teologia Reformada, para ir contra essa posição:
“Quanto a outros dias de festas, nós os abolimos tanto quanto possível do nosso meio, especialmente aqueles introduzidos por meio de manifesta idolatria […] No entanto, porquanto há certas festividades instituídas desde tempos antigos, para a celebração de certos mistérios concernentes à redenção, usamos a liberdade cristã, e submetemos tudo para a edificação, de acordo com as diferentes circunstâncias de lugares, tempos e pessoas".[6]
Utilizam também alguns testemunhos confessionais como o Diretório para o Culto Público de Westminster:
“Na Bíblia não há nenhum Dia que seja ordenado para ser guardado como santo sob o Evangelho, senão o Dia do Senhor, que é o Sábado Cristão. Os dias de festa, comumente chamados de dias Santos, nã…o tendo base na Palavra de Deus, não devem ser continuados”.[7]

A assembleia geral da Igreja da Escócia do ano de 1575, que em uns dos artigos encontra-se o seguinte:
“Que todos os dias anteriormente denominados ‘santos’, além do dia do Senhor, como o Natal e outros, sejam abolidos, e que uma …penalidade civil seja imposta contra os que guardam tais cerimônias banqueteando, jejuando e com outras vaidades”.[8]

Já John Knox, reformador escocês, originador do presbiterianismo, diz que:
“Qualquer coisa que homens, por leis, concílios ou constituições têm imposto sobre as consciências dos homens, sem mandamento expresso da Palavra de Deus: tais como votos de castidade, promessas antecipadas [...] de casamento, imposição a homens e mulheres do uso de diversas vestes especiais, observância supersticiosa de dias de jejuns, abstinência de alimentos por motivo de consciência, oração pelos mortos, e a guarda de dias santos instituídos por homens, tais como todos aqueles que os papistas têm inventado, como as festas dos Apóstolos, Mártires, Virgens, Natal, Circuncisão, Epifania (Reis), Purificação e outras festas apreciadas por Nossa Senhora. Coisas estas que, não tendo nem mandamento nem garantia nas Escrituras de Deus, julgamos devam ser completamente abolidas do nosso Reino; declarando ainda, que obstinados observadores e ensinadores de tais abominações não devem escapar à punição do magistrado civil”.[9]
Por fim, é observável o que diz a IPB (Igreja Presbiteriana do Brasil) sobre o assunto no seu manual de princípios de liturgia, que reconhece apenas o dia do Senhor, o domingo, e os dias de jejum e ações de graças como observável. No artigo 1º, ele diz o seguinte:
“É dever de […] todos os homens lembrar-se do dia do Senhor (domingo) e preparar-se com antecedência para guardá-lo. todos os negócios temporais devem ser postos de parte e ordenados de tal sorte que não os impeçam de santificar o domingo pelo modo requerido nas Sagradas Escrituras”.[10]
Interessante é o que o documento diz no seu artigo 24:
“Sem o propósito de santificar de maneira particular qualquer outro dia que não seja o dia do Senhor, em casos muito excepcionais de calamidades públicas, como guerras, epidemias, terremotos, etc., é recomendável a observância de dia de jejum ou, cessadas tais calamidades, de ações de graças”.[11]
Enfim, podemos observar então duas posições opostas dentro da tradição reformada, ambos com base documental e com grandes referências da Teologia Reformada. Fica agora a avaliação de cada leitor, e o desafio para um estudo mais profundo sobre o assunto. Creio que assim como fui motivado a investigar mais a fundo sobre o tema, os leitores também serão depois de ler essas afirmações.


Notas:

[1] Portal Mackenzie: <http://www.mackenzie.br/7056.html>
[2] Confissão de Fé Helvética.
[3] Phillip Schaeff, History of the Christian Church, Volume VIII: “The Swiss Reformation”.
[4] Canônes de Dort.
[5] Ibid.
[6] Theodore Beza, The Christian Faith, trans. James Clark [East Sussex, England: Focus Christian Ministries Trust], 107-8.
[7] Diretório de Culto de Westminster. São Paulo: Os Puritanos, 2000. p. 66.
[8] Citado em Bryan Schwertley, The Regulative Principle of Worship and Christmas. Artigo extraído do site http://www.reformedonline.com/ em 25 de Novembro de 2010.
[9] Citado em Paulo Anglada, O Natal, o Culto e a Fé Reformada. p. 49.
[10] Princípios de Liturgia, in Manual Presbiteriano. São Paulo: Cultura Cristã, 2008. p. 143.
[11] Ibid.


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FÉRES, Leonan. 08 de dezembro de 2016, Goiânia, GO.



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